Resenha Crítica: Contexto e ambiente do Novo Testamento

by - junho 11, 2021


 Resenha Crítica

LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. Tradução: Hans Jörg Witter. São Paulo: Paulinas, 2000.


O livro “Contexto e ambiente do Novo Testamento” foi minuciosamente escrito por Eduard Lohse que nasceu na cidade de Hamburgo, Alemanha, em 1924. Foi professor do Novo Testamento em Kiel e da Universidade de Gotinga no período de 1956 a 1971. Em 1971 foi nomeado bispo da Igreja luterana de Hanover.


Lohse exibe o que ocorreu durante o período que separa a última página do livro de Malaquias da primeira página do Evangelho de Mateus. Nesse contexto, Lohse percorre a história política do judaísmo no tempo helenístico, destacando então as características históricas dos eventos do tempo em que a Palestina estava sob o domínio dos persas, do governo de Alexandre Magno e do Egito, bem como o domínio dos sírios, salientando a luta dos macabeus pela liberdade. Com isso, o autor realça a monarquia dos asmoneus, o domínio romano e a guerra judaica com a revolta de Bar Kosba. No segundo capítulo, é lembrado com riqueza de detalhes os movimentos religiosos e as correntes espirituais do judaísmo no tempo do novo testamento. Sendo assim, pode-se contemplar textos sobre a estrutura básica e a literatura apocalíptica, os grupos e as comunidades no judaísmo palestino e o judaísmo na Diáspora. Finalização a primeira parte o livro, o leitor adquire condições para notar a vida e a fé judaica na época do Novo Testamento, pois o autor coloca em destaque a conjuntura social dos judeus na Palestina e na Diáspora, bem como o culto, as festas e a sinagoga em Jerusalém. Perpassa ainda sobre os temas relacionados a escritura, a Lei e a tradição. Contribuições estas que permitem ao leitor o entendimento da relação entre Deus e o homem e a salvação vindoura.

O livro é dividido em duas partes: o judaísmo do Novo Testamento e o ambiente helenístico romano do Novo Testamento. O cristianismo se manifestou entre duas culturas, a judaica e a helenista. Na cultura helenista está contida a inspiração e manipulação romana. Contudo, esta resenha trata, apenas, da primeira parte (capítulos I e II) do livro de Eduard Lohse (páginas 11–183). 



Durante o capítulo I, o autor conta a história do judaísmo que se inicia com o domínio dos persas sob a Palestina. No cenário o povo judeu foi expatriado para da Babilônia. A Judeia foi conquistada pelos babilônios em 587 a.C. Nesse período, Jerusalém foi arruinada e o povo de classe alta foi levado em exílio para a Babilônia. O povo ainda podia manter sua fé no Deus de Israel. Na época, os judeus não podiam fazer seus cultos no templo. Eles ainda se mantiveram fiéis à lei de seu Deus e praticavam dogmas como guardar os sábados e o rito da circuncisão.

Essa situação só começou a mudar, quando o rei Ciro decidiu editar um decreto que permitiria a reconstrução da casa de Deus e a permissão de devolver os instrumentos culturais do judaísmo. Provavelmente nem todos os judeus puderam usufruir dessa mudança por falta dessa permissão. Sendo assim, a reconstrução do templo começou bem devagar e com bastante dificuldade, pois a população judaica da Palestina vivia em condições muito precárias. É como libertar os negros da escravidão e não fornecer suporte para mínima sobrevivência, fazendo uma analogia com a abolição da escravatura no século XIX. 

Quando uma grande muralha ao redor de Jerusalém foi erguida, os judeus juraram, a mando de Neemias, que não se casariam com membros dos povos vizinhos estrangeiros. Neemias e Esdras foram enviados para ensinar e colocar ordem na atual situação. Por esse motivo, a partir daí o culto da comunidade judaica ficou sob a proteção dos persas. Tais eventos causaram inveja e desgostos dos vizinhos de Jerusalém, principalmente do povo de Samaria, que apesar de não serem considerados pelos judeus como israelitas verdadeiros, se deslocavam até Jerusalém para sacrificar e adorar no templo. Essa separação causou grande desconforto e os samaritanos desejaram então construir seu próprio santuário.  É assim que surge a guerra entre os samaritanos e os judeus. Sob o comando de João Hircano, os judeus destruíram o templo dos samaritanos. Esse templo nunca mais foi reconstruído. A comunidade samaritana celebra naquele local a páscoa até hoje. Esse cenário mudou durante o Novo Testamento, pois se entende que os cristãos levaram o Evangelho para Samaria superando assim esse desconforto. Quando Jesus apresenta a ação de um samaritano como boa (Lc 10, 30–37), permite que os cristãos daquela época comecem a superar esse distanciamento (At 8, 4–25). 

Em 333 a.C. O Egito sob o governo de Alexandre Magno venceu o rei persa (Dario III), com isso, os judeus reconheceram o poder superior do exército e se submeteram pacificamente ao novo governo. Por esse motivo, a comunidade judaica manteve seus direitos e podiam continuar praticando seu culto sem restrições. Essa situação amigável, não persistiu por muito tempo. Após a morte de Alexandre os selêucidas procuravam agregar os diversos povos através da ascensão da cultura helenística. Nessa época foi construído um ginásio cujos jovens faziam esportes totalmente nus. Os sacerdotes também participavam dessa prática e por esse motivo os judeus se sentiam inibidos devido sua circuncisão, pois os gregos zombavam deles. Inclusive, muitos judeus, tomados pela vergonha, suprimiram a circuncisão através de uma operação como foi escrito em 1Mc 1:15. 

O sucesso de Hircano, contudo, não se reflete internamente. É neste mesmo período que se estabelecem os saduceus, fariseus e os essênios. Sendo assim, o modo tirânico de Hircano e sua atração pela cultura helênica causavam aversão nos fariseus. A guerra chegou a um ponto tão indefensável, que Hircano desfruta da ajuda de Roma, se dirigindo a Pompeu, que havia conquistado Damasco e destruído o reino selêucida. Internamente a conjuntura era tão complicada em Israel que a sucessão do trono parecia ser o menor dos dilemas.

Pompeu então, se aproximou e conquistou, dissolvendo o reino dos selêucidas, incorporando-se ao Império Romano como província da Síria. Foi assim que Pompeu entrou em Jerusalém e pisou no templo, vendo também o santíssimo. Ele não se apropriou de nada do santuário e ordenou a retomada do culto.

Apesar dessas atitudes, os violentos conflitos pelo poder no império Romano atiçaram efeitos na Palestina. Sendo assim, na luta entre Pompeu e César, quem saiu vitorioso foi César e Pompeu terminou assassinado no Egito em 48 a.C. O judaísmo, a partir daí, se encontrava sob a proteção do Estado romano. Com isso, pode-se notar que a fé religiosa de Israel em um Deus, que lhes assegura a posse da terra, é a esperança que viabiliza sua resistência durante os momentos de aflição causados por incalculáveis disputas. Através da análise dos textos, o leitor compreende que Israel incessantemente se mostra resiliente e peleja por sua identidade no contexto político e do tempo helenístico.


No capítulo II, Eduard Lohse mobiliza o leitor a analisar a situação política do império romano e dos movimentos religiosos, bem como as correntes espirituais no mundo helenístico romano. Nesse sentido, explica as origens e influência desses grupos. Grupos estes, compostos por movimentos ou correntes espirituais. Dentre os grupos estão os saduceus, os fariseus, os zelotas, os essênios, os terapeutas, os escribas e a comunidade de qumran. Sobre esse último grupo o autor elabora um panorama dos textos relacionados aos resultados arqueológicos, textos bíblicos e judaicos, bem como a fé da comunidade de Qumran com o Novo Testamento.

Carece também destacar que os grupos citados tinham algo em comum: eles estavam à espera de um Messias, dessa forma se perguntavam sobre qual seria a aplicação correta da Lei e qual seria o futuro do judaísmo. Visto que, o judaísmo estava transitando por um processo de segmentação, principalmente causado pela influência cultural de cada grupo.

Após uma minuciosa descrição dos grupos e comunidades do judaísmo palestino, o autor reconhece que os judeus se adaptavam a um ambiente dissemelhante, pois desde o tempo de Alexandre Magno, a Palestina sofria imensa influência helenística. Isso levou os judeus a aprender a identidade de sua vida. Assumindo assim, costumes gregos como teatro e esportes. Foi então gradualmente, perdendo a língua materna (hebraico ou aramaico) e perpetuando a língua grega. Não obstante, o Antigo Testamento foi traduzido para o grego.

Com isso, no final do capítulo Lohse ainda realiza uma avaliação da prática social judaica. Ele expressa as instituições judaicas, suas festas e comemorações, a Lei e a influência apocalíptica no feitio cultural dos judeus. Expõe então duas personalidades judaicas extremamente importantes para o início do cristianismo: filo de Alexandria e Flávio Josefo. O autor encerra o capítulo explicando que mesmo assimilando a língua grega, os judeus se mantiveram a adorar o Deus de Israel com firmeza e integridade, mesmo sofrendo zombarias e perseguições por parte dos pagãos.  


A obra de Lohse é muito rica, pois se trata de uma ferramenta para leitores que buscam compreender o contexto do Novo Testamento. Nesse sentido, o autor elabora uma boa investigação do contexto e do ambiente nos quais os textos estão enredados. Quanto mais entendemos o ambiente em que o cristianismo encontrou os homens e o modo como o Evangelho foi percebido e difundido, melhor atingiremos o conteúdo desta mensagem, o modo de falar e as ideias do mundo antigo para a linguagem contemporânea.

O enredo apresentado pelo autor ostenta uma exibição clara de suas concepções, estando fundamentadas em cautelosa pesquisa histórica. Averiguando todos os contextos, ele deixa claro os acontecimentos da época em que foram escritos os diversos livros bíblicos. Apesar de o texto ter sido escrito para legentes do século passado, torna-se um considerável instrumento para intérpretes que anseiam digerir a mensagem enraizada nos livros do Novo Testamento.


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